A concepção de educação do campo no cenário das políticas públicas da sociedade brasileira
A educação tem se constituído como um instrumento relevante na sociedade brasileira e às vezes tem sido definida por concepções de educação que no processo histórico tem enviesado para caminhos de natureza cartesiana, pragmática, reprodutivista, crítica-reprodutivista, ou simplesmente crítica, libertadora, liberal, neoliberal, pós-moderna, enfim; uma educação que se desenvolveu acompanhando a trajetória histórica e trouxe avanços à sociedade brasileira principalmente na área da pesquisa, responsável pela inovação tecnológica também para a zona rural. No campo inovaram: no maquinário, no aumento da produção de grão, nos agrotóxicos, alteração dos genes das sementes para exportação em larga escala. Mas os que têm usufruído desses avanços são pequenos grupos de latifundiários, empresários, banqueiros e políticos nacionais e internacionais. Enquanto a outros é negado o acesso a terra para sobreviver e garantir o sustento de outros brasileiros.
Em relação à educação do campo, é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem sendo empregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido satisfatoriamente para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos, sua cultura e seu padrão de vida. Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso tardio a escola que na maioria das vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são oferecidas sem condições de oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os jovens e adultos devido à precariedade de investimentos dessa política pública. Isso representa, sem dúvida, uma das maiores dívidas históricas para com as populações do campo.
Parece-me que é urgente pesquisar as desigualdades históricas sofridas pelos povos do campo. Desigualdades econômicas, sociais e para nós desigualdades educativas, escolares. Sabemos como o pertencimento social, indígena, racial, do campo é decisivo nessas históricas desigualdades. Há uma dívida histórica, mas há também uma dívida de conhecimento dessa dívida histórica. E esse parece que seria um dos pontos que demanda pesquisas. Pesquisar essa dívida histórica (ARROYO; 2006, p.104).
Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria ser diferente para as classes sociais. "A educação urbana não é a do campo, e a do burguês não é a do operário".
(p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura alienadora que reforça uma educação para privilegiados.
Marx também se reporta aos aspectos das desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social que submete o mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano nunca produziu tantos objetos em toda história humana. A condição de poder da burguesia é o crescimento do capital que submete o homem ao trabalho assalariado, gerando uma base de competitividade e desigualdade entre os trabalhadores. Isso canaliza para um índice absurdo de "pobreza que cresce mais rápido do que a população e a riqueza". (1998; p.28). O paradigma de produção capitalista permite maior exploração entre as pessoas, causa a marginalização do trabalhador do campo e, a mão de obra humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-se numa mercadoria a serviço da burguesia, do capitalismo que também se articula pelo processo educativo.
Pensando nesta situação de exploração do trabalhador e nas condições que oportunizam uma educação conscientizadora, Paulo Freire (2007) nos possibilita observar o sistema educacional da sociedade brasileira, dentro do processo de mudança, quando identifica a educação como elemento fundamental para o sujeito do campo ou da cidade. E considera como necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo com o sujeito que aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma metodologia de ensino para a alfabetização e conscientização do trabalhador do campo que partia dessa leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50, que continua presente na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade. Ao fazer uma apologia a educação da cultura dominante comentava Freire:
Na concepção bancária a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos; Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que não sabem, cabe aquele que dá entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser "experimento feito" para ser experiência narrada ou transmitida" (p. 59, 60).
Articulado a esse pensamento, Arroyo acrescenta:
A crença que a função da escola é transmitir o saber socialmente construído hoje está sendo revisto não superada. Não se trata de superar o direito de todo ser humano ao saber socialmente construído, a cultura de vida, a herança cultural. Trata de que isso passou a ser um slogan, que precisa ser mais trabalhado, mais pesquisado. Até onde os saberes escolares são saberes construídos ou apenas parte e até filtram esse saber construído? Até onde há seletividade dessa construção? Até onde em nome do direito aos saberes escolares, negamos os saberes construídos? Até onde são saberes mais mortos do que vivos? (2006; p.111)
O camponês, o ribeirinho, o povo da floresta da Amazônia Paraense também tem demonstrado que domina saberes. Conhecem as marés do rio que enche e vaza, do tempo da piracema, sabem que grande área de floresta no chão torna o solo da Amazônia infértil, do período da coleta dos frutos na floresta, entendem a geografia do rio, da mata; trazem consigo a cultura de seus antepassados impregnada em suas cantigas, danças e lendas em seu jeito de ser homem, mulher caboclo sujeito de saberes amazônidas. Mas a incorporação de sua cultura nos currículos escolares se processa por aspectos que envolvem desde políticas públicas para a educação como também, a aproximação do professor com o aluno e sua realidade por meio de situações problematizadoras.
Quando os saberes selecionados por especialista de currículo que representam os interesse da cultura dominante, são questionados na escola se evidencia que, o ato de ensinar está relacionado ao outro, como um ser ignorante. Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixar de ser.
Algumas vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma outra cultura que domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor. Não se identifica a base do processo educativo como formação da consciência e no estabelecimento da relação dialógica com o sujeito que aprende, interligando a dialética dos seus conhecimentos aos da sociedade que conserva, mas também se modifica.
Para Freire (2007) não existe nenhuma estrutura exclusivamente estática, assim como, não há uma, absolutamente dinâmica. Isso vale para a estrutura construída pelas sociedades e também para a educação. Desde a Antiguidade até a contemporaneidade, as concepções de educação sofrem alterações, modificações ou surgem novas.
Vimos anteriormente que a sociedade sofre transformações assim a educação, de forma que ao retomar a linha histórica, consegue-se identificar a trajetória da educação no cenário brasileiro e qual trajeto da educação rural vem se construindo nesse processo. Contudo, é relevante conhecer a origem da educação rural no Brasil.
Para pesquisadora Cláudia Passador (2006), a origem da concepção de educação rural no Brasil, data desde 1889 com a Proclamação da República. Na época, o governo instituiu uma Pasta da Agricultura, Comércio e Indústria para atender estudantes dessas áreas, entretanto, a mesma foi extinta entre 1894 a 1906. Foi novamente instalada em 1909, como instituições de ensino para agrônomos. E, constituiu-se como "educação pública efetivamente nacional, nos anos 30, após a criação do Ministério da Educação". (p. 119).
A partir de 1930, a concepção de educação do campo se configura em um conjunto de políticas com definições elaboradas para este atendimento. No histórico da legalidade educacional, um dos primeiros tratamentos de maior abrangência ocorreu na Constituição de 1934, quando os Pioneiros da Escola Nova que representaram uma nova relação de forças oriundas pelo conjunto de insatisfações de setores intelectuais, cafeicultores, classe média e até massas populares urbanas se instalaram na sociedade solicitando reformas educacionais.
A Constituição de 1934 sinaliza para importância de uma concepção de educação profissional voltada para o contexto industrial, e quanto à educação rural artigo 156: Parágrafo único determina: "Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por cento das quotas destinadas a educação no respectivo orçamento anual." (POLETTE; 2001, p.169) um relevante acontecimento, mas, omitem outras proposições para educação do campo.
Em 1947 a nova Constituição Brasileira propõe que a educação rural seja transferida para responsabilidade de empresas privadas (industriais, comerciais e agrícolas) a obrigatoriedade pelo financiamento como expressa o Capítulo II da educação e cultura, Artigo 166; inciso III: "as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalham mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes"; (BALEEIRO E SOBRIDINHO; 2001; p. 108). Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza as empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem de trabalhadores menores em forma de cooperação e exime desta responsabilidade as empresas agrícolas.
A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular urbanizada e industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e educacionais das elites brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para todo povo do Brasil. Com a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, permanece a obrigatoriedade das empresas agrícolas e industriais com o ensino primário gratuito para empregados e os filhos menores de 14 anos. Isso explica, porque o Brasil até 1970 esteve com uma educação do campo, sob o gerenciamento das iniciativas privadas.
Na análise deste texto compreendemos o descaso histórico e legal do Estado brasileiro, referente ao plano educacional para as comunidades rurais, e ao mesmo tempo, observa-se como o Brasil rural, tem apresentado concepções de educação que provocam altos índices de analfabetismo e baixo nível de escolaridade.
Com a Constituição de 1988, o Brasil consegue aprovar políticas de direitos educacionais bastante significativas. Durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso foram elaboradas e implementadas reformas educacionais que desencadearam em alguns documentos fundamentais como: Nova Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional, a 9394/96, o Plano Nacional da Educação de 2001, e os Parâmetros Curriculares Nacionais.
No referente ao Plano Nacional de Educação, Saviani (1987) argumenta que quando a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 214 determina que "A lei estabelecerá o plano nacional de educação" e no artigo 211 estabeleça como tarefa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a organização de seus sistemas de ensino, não significa que a origem desse pensamento tenha surgido exatamente neste período.
A idéia de construção do Plano Nacional de Educação surge desde 1932, com o "Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova", quando se buscava a modernização do país pela modernização da educação. O Manifesto além de convocar a organização da educação em âmbito nacional, ainda propunha um programa que se configurava como um sistema nacional de educação, em que a racionalidade científica (escolanovismo) permearia o âmbito educacional até 1962.
Estes documentos pontuam em parte, anseios da população e contemplam, sobretudo, a formação de indivíduos pautados nos interesses econômicos e políticos da classe dominante brasileira. E a base da política econômica da realidade rural perpassa principalmente pelas dimensões do agronegócio – que desenvolve a monocultura para exportação -e da agricultura familiar – com a produção diversificada de produtos para o abastecimento do mercado nacional. Nesse contexto, as políticas públicas de educação implementada nas áreas rurais do Brasil, não tem dado conta de acompanhar o trabalho de produção do campo, com a formação profissional próprios para esta realidade e devidamente qualificada. Ocorre que, sucessivamente os governos brasileiros têm implantado uma educação que não atende e não respeita às especificidades de cada realidade regional e muito menos a diferenciação (geográfica, cultural, histórica, social, etc.) do campo.
Neste caso, a oferta de educação para o campo em alguns lugares da Amazônia Paraense não tem garantido as alterações propostas pela Constituição de 1988, ou pelos documentos supracitados, uma vez que se recorre a um padrão de educação urbanocêntrica. Esse paradigma é marcada por contradições que de certa forma, vem interferindo na implementação de políticas públicas de afirmação para as populações que vivem e trabalham no campo.
Segundo Elaine Furtado (2006), para compreender como a sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades no campo, precisamos entender três elementos: "O latifúndio, a industrialização e a financeirização da economia".
Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006) de que o Brasil desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural que ainda se configura, mas, se solidificou graças às contingências do mercado mundial favorável a monocultura e também pela exploração da mão de obra escrava. Durando três séculos "produziu-se concentração da terra, exclusão dos trabalhadores do campo, do acesso às condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do término formal da escravidão". (47).
Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos para exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos, em relação à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a financeirização da economia, que marca essa construção história "somados as desigualdades produzidas pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos mercados com a financeirização da economia, fundada em taxas de juros mais altas do mundo, fez com que voltasse a exclusão dos trabalhadores" (Ibidem; p. 48).
Esses elementos determinaram uma construção história resguardada pela exploração dos trabalhadores e durante séculos fortaleceu a classe dominante do país favorecendo a apropriação e o empoderamento de bens e de riquezas, bem como, o domínio de conhecimentos tecnológicos, culturais, no qual a educação, na maioria das vezes, esteve a serviço dessa estrutura de dominação. A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra qualificada que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para aceleração do crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia após Segunda Guerra Mundial.
Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção de mercado que procurava ampliar o número de consumidores, e aos Estados Unidos interessava consolidar essa hegemonia. Por conta dessa disputa entre as potências mundiais (Estados Unidos e União Soviética) que muitos países foram aderindo a uma das posições políticas e junto com a adesão vinha o pacote de proposições educacionais para serem implementadas em cada país. No caso do Brasil, optou-se por uma educação com currículos e metodologias fundamentados no ideário norte-americano, numa perspectiva de afirmação de uma escola essencialmente urbana. Então, a partir dos anos 30, a escolarização para o trabalhador do campo, foi inserido também, com o intuito de conter o êxodo rural, provocado pelo processo de industrialização do país, responsável pela grande massa de migrações rurais de quase todas as regiões do país durante décadas subseqüentes.
Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não tinha tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido com os pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como lugar da "contra-educaçãorural", pautada em apenas instruir o homem do campo, para ler, escrever e contar. Essa idéia de instrução do trabalhador nos remete a uma ideologia de que o sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a enxada, por exemplo, requer apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir, questionar e sim, somente manusear os instrumentos e saber utilizar a terra adequadamente.
Locke apud Gonh, fez uma diferenciação entre a classe trabalhadora e a classe burguesa dizendo que os trabalhadores estão acostumados com o arado e a enxada, usavam somente as mãos e não a cabeça. Por isso, eram incapazes de pensar, de governar suas vidas. Suas ações são desordeiras ameaçam a ordem. Por isso, eles não poderiam saber, apenas precisam acreditar (2004).
Uma expressão um pouco rudimentar, pois, as técnicas desenvolvidas no trabalho do campo, se transformam com o aparecimento de novas tecnologias que são assimiladas pelas novas gerações independentes do trabalhador do campo ter ou não domínio do mundo letrado. Ao expor esse pensamento, Gonh (2004) nos confirma com exatidão a postura classista, elitista, dominante de uma sociedade capitalista, burguesa, que desvaloriza e inferioriza o trabalho manual do camponês. Subestima sua capacidade intelectual de pensar, explicitando a idéia de um homem que se assemelha a uma máquina, um ser mecânico, ingênuo que não precisa saber, porque saber é poder, e poder não pode ser dado ao trabalhador. Porque o trabalhador consciente, ameaça à ordem capitalista, o lócus principal da desordem.
Esse paradigma de educação e ideologização tem sustentado o capitalismo e influenciado o pensamento humano de diversas gerações, consolidando a supremacia de um poder dominante, pela via de submissão, presente em diferentes espaços no qual a escola – lugar do saber/conhecimento sistematizado - é um destes.
Mas, evidentemente, as populações do campo têm procurado resistir a certas situações de dominação, através de lutas organizadas em movimentos sociais que, ao longo do século XX tem fortalecido os trabalhadores, provocando ações que obrigam os governos brasileiros a implementar alguns anseios dos trabalhadores do campo dentro do cenário das políticas públicas
Os trabalhadores com terra, pequenos agricultores, também retomaram suas lutas, percebendo a necessidade de resistir na terra para sobreviver à política agrícola das ultimas décadas. A agricultura familiar foi marginalizada pelo governo, na medida em que este priorizou a agricultura capitalista (patronal) baseada na monocultura para exportação (KOLLIN; 1999, p. 32).
Essa experiência de organização tem se efetivado através das práticas de formação política e educativa desenvolvida dentro dos movimentos, tornando esses sujeitos sociais, conscientes de seus direitos, oportunizando intervenções na realidade em dimensões diversificadas pela forma consciente de observar, interpretar, reinterpretar e agir frente à realidade cotidiana. No contexto da organização, os trabalhadores compreendem que a escola do campo se distancia, não somente por não conter nas abordagens curriculares conhecimentos propícios à realidade destes sujeitos sociais, como também, as políticas de direitos adquiridos pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes da Educação Nacional de 1996, não têm se materializado em práticas pedagógicas exercidas pelos os professores da educação do campo, nem por parte dos gestores municipais.
A nova LDBEN regulamenta o ensino escolar, amplia seu sentido de abrangência considerando que a educação está relacionada ao mundo do trabalho e à prática escolar. No capítulo II, artigo 28 trata sobre a legitimação da educação do campo que:
Permite a adaptação à educação básica às peculiaridades da zona rural e de cada região, tendo especificamente: conteúdos curriculares e metodologia apropriada às necessidades reais e interesses e condições climáticas; adequação à natureza do trabalho (DORNAS; 1997).
Em 2002, foi aprovada a Resolução CNE/CEB Nº. 01 de 03 de abril; as Diretrizes Operacionais da Educação do Campo; consolida um importante marco para a história da educação brasileira e em especial para a educação do campo. Todavia, a lentidão faz com que as políticas de direito não alcance proporções significativas e se efetivem concretamente na escola do campo de toda sociedade brasileira.
Assim, pode-se dizer que a educação, enquanto direito fundamental, foi ao longo dos anos, negligenciada às classes mais pobres da população brasileira. E em decorrência disso, realizaram-se lutas, organizadas em todo país, para que se efetivassem direitos constitucionais que garantisse uma educação que atendesse os excluídos. É óbvio que transformar anseios, historicamente negados em legislação, representa, sem sombra de dúvidas, um avanço, uma conquista relevante, mas, enquanto isso não se materializar em políticas de ações concretas desenvolvidas nos municípios de todo país, tais medidas não passarão de um amontoado de palavras "boas e bonitas", presente na Constituição de 1988 e na legislação da educação brasileira.
As políticas de educação rural/campo não são referencias relevantes constitucionalmente na historicidade da educação brasileira e até 1988 a expressão evidenciada nos textos constitucionais caracteriza o termo rural e adquire outro significado a partir 2002 com aprovação da Resolução CNE/CEB Nº. 01 de 03 de abril; as Diretrizes Operacionais da Educação do Campo;
Para compreender a diferença da conceituação rural e campo, é preciso considerar alguns pensamentos construídos dentro do conhecimento acadêmico, que resultam de pesquisas realizadas e compartilhadas pelos atores sociais do campo. Partindo desse princípio, a expressão educação rural está relacionada em uma postura encadeada pela concepção positivista, mercadológica, competitiva, capitalista, na qual a política de educação direciona para uma formação pragmática, que instrui o individuo para desenvolver atividades no mundo do trabalho. Transforma a força de trabalho humana em objeto, coisa, mercadoria. É a "coisificação" e desumanização do sujeito.
A expressão educação rural foi empregada na época do governo Vargas, para delimitar o espaço urbano e definirem políticas públicas de ação para estes espaços geográficos já compreendidos na época, como diferentes, mas, no entanto, as práticas educativas implementadas para ambas as situações, se constituíam em um único paradigma, o urbano.
O rural representava o espaço das políticas compensatórias e paliativas, um lugar onde projetos econômicos e políticos da cultura capitalista se instauravam demarcando o território do agronegócio, das empresas exploradoras de madeira, mineiro e outros. Nessas circunstancias, a relação homem-natureza se caracteriza como exploratória, depredatória, concentradora de bens, o lugar do latifúndio, da escravidão, exclusão social e da expropriação de uns em detrimento de outros.
A educação rural esteve também associada a uma situação de precariedade, atrasada, com pouca qualidade e recursos pedagógicos escassos, estrutura física inadequada: "A sala de aula é a sala da residência da professora. Pequena e ladeada por meia – parede de madeira que se estende até o final da casa. O teto é coberto parte por telha de cerâmica, parte por palhas". (SILVA; 1993, p. 108). Tinha como pano de fundo um interior arcaico, com tímidos programas educacionais pensados e elaborados para o povo sem sua participação. (MOLINA, 2004).
Argumenta Cabral Neto (2004) que, várias políticas educacionais foram desenvolvidas e a principal característica era o desenvolvimento de práticas pedagógicas adaptativas a realidade do meio rural. No período getulista ressaltava a implantação de programas educacionais, seguido depois de outros, posteriormente efetivados na realidade rural, como: o Programa EDURURAL, O PROMUNÍCIPIO, MOBRAL, entre outros, financiados por organismos internacionais.
Buffa e Nosella (1994) enfatizam que, devido ao alto índice de analfabetismo, o governo brasileiro implantou-se o MOBRAL em setembro de 1970, cuja meta era a redução da taxa de analfabetos brasileiros. A proposta fracassou por conta da técnica empregada, que diziam ser freireana, mas não se partia da situação vivenciada pelos sujeitos e a alfabetização baseava-se em livros didáticos prontos e acabados nos quais, as palavras geradoras foram elaboradas por especialistas em currículo e eram as mesmas para todos os grupos sociais do campo ou da cidade. Tentavam educar a revelia da situação políticoeconômica do país.
Para Molina (2004), a educação rural em suas correntes mais conservadoras ignora a realidade que se propõe a trabalhar, teve origem no pensamento latifundista empresarial, de controle político sobre a terra e aqueles que nela vivem e trabalham. Essa educação incorpora princípios e valores desvinculados da cultura e da familiaridade que os sujeitos sociais do campo possuem do solo, da água, da floresta das culturas de cultivos e da pesca, enfim, desta convivência humana com a natureza e com os outros seres humanos.
Elaine Furtado (2006) enfatiza que, o conceito de rural em oposição ao urbano no Brasil, teve até a década de 70 sua expressão máxima, significando a diferença entre o atraso e o moderno, ou seja, o fato de está na territorialidade definida como urbana, significava está em contato com o que havia de mais moderno, avançando Mas o que seria esse moderno? Obviamente produtos produzidos pela indústria, graças ao a capacidade de alcance e descobertas das ciências e das tecnologias que prosperavam e ainda pelos bens e serviços proporcionados pela cidade.
Noutra proporção o lócus do atraso estava, relacionado à forma de vida dos estavam na zona rural e suas técnicas de produção rudimentares. Pressuponham que os que vivem neste espaço, são considerados á parte, "fora do comum" e da totalidade definida pela representação social urbana.
O rural enquanto espaço de tranqüilidade, lazer, turismo, servindo de refúgio ou descanso causado pelo transtorno agitado das pequenas, médias, grandes cidades, repercutiram na década de 90 sobre a influência da modernidade, e o rural ganhou o caráter de bucólico.
Para os que têm o desafio em tentar definir um conceito sobre educação do campo, relacionam a uma postura político-pedagógica crítica, dialética, dialógica, postulando uma formação "técnica e política" (CANDAU, 2005), de sujeitos politicamente conscientes, com uma visão humanizadora, valoriza o sujeito através de sua identidade cultural e compreende
o trabalho como algo que dignifica o homem enquanto sujeito histórico e não enquanto objeto ou coisa.
Com base nestes pressupostos, a gênese das palavras educação do campo demanda da ação dos movimentos organizados, na construção de políticas públicas educacionais para os assentamentos de reforma agrária. O termo campo, nasce dessa configuração repercutindo acirradamente após o I Encontro Nacional de Educadores da Reforma Agrária (I ENERA), realizado em 1997, promovido pelas entidades: MST, UNB, UNESCO, UNICEF, e CNBB, tinham como finalidade ampliar um debate nacional sobre a educação do mundo rural levando em conta o contexto do campo em termos de cultura especifica, bem como a maneira de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço e o meio ambiente e quanto ao modo de viver, de organizar a família e trabalho. (KOLLÍN, NERY, MOLINA, 1999; p.14).
Em 1998 aconteceu a I Conferência Nacional de Educação do Campo e em decorrência deste evento criou-se então o "movimento por uma Educação Básica do Campo" envolvendo grupos organizados, pesquisadores e alguns governos do país, numa articulação que contribuísse para o melhoramento do ensino das séries iniciais do ensino fundamental. Na ocasião a frase educação do campo apresenta uma nova conotação. Caldart (2004) afirma em seus estudos "ser esse o momento do batismo coletivo de um novo jeito de lutar e pensar a educação para o povo brasileiro que vive e trabalha no e do campo". E continua:
Educação do campo e não mais educação rural ou educação para o meio rural. A proposta é pensar a educação do campo como processo de construção de um projeto de educação dos trabalhadores do campo gestado desde o ponto de vista dos camponeses e da trajetória de lutas de suas organizações (IBDEM, p. 13).
Em 2004 realizou-se a II Conferência Nacional de Educação do Campo. Nesse momento ampliaram os grupos organizados, as universidades, e as representações governamentais, bem como a concepção de educação. E como proposições definiram afirmação da articulação nacional para encampar o movimento de educação do campo, não mais pensando apenas na educação "básica" (1ª a 4ª séries), mas, na luta para inserir os filhos dos trabalhadores do campo, em toda educação básica (educação infantil, fundamental e médio), e nas universidades públicas brasileiras, de graduações e pós-graduações; uma vez que, o campo também necessita de diversos profissionais qualificados para atuarem nessa realidade.
Este movimento tem fomentado estudo e debate em torno da construção de outra proposta de educação para a escola do campo, mas não qualquer escola, não interessa a escola fundamentada no currículo urbano, anseiam uma escola voltada para as lutas das populações do campo. Eles afirmam e reconhecem que os educadores de diversas partes do país estão desenvolvendo experiências diferenciadas de educação do campo e na Amazônia Paraense evidentemente tem efetivado algumas em casas familiares rurais, PRONERA, MST e outras.
Com base nesse pensamento, começou-se a discutir outro perfil de escola do campo, não uma educação para os sujeitos do campo e sim uma educaçãocom os sujeitos do campo. Reintera Molina (2004), que a educação do campo como novo paradigma, está sendo construída por diversos grupos sociais e universidades, rompem com o paradigma rural cuja referência é a do produtivismo, ou seja, o campo como lugar da produção de mercadorias e não como espaço de vida, o lugar da dialetização da cultura, do saber e da formação de identidades.
O estudo está em fase de elaboração e pertence ao projeto de dissertação de mestrado, mas essas palavras inacabadas foram-nos provocadas a partir da ótica dos pesquisadores e dos documentos Constitucionais, que nos proporcionaram fazer neste diálogo, algumas inferências acerca da educação do campo e compreendê-la como um direito que historicamente vem sendo negligenciada no conjunto das políticas públicas da educação brasileira, e como tal, merece ser analisada, refletida, culminando em ações efetivamente concretas pelo conjunto das organizações sociais e governamentais para que, as populações do campo possam ter melhores condições de estudar, se manter na terra, devendo para tanto potencializar e investir na qualidade da educação, ofertada as populações do campo bem como em outras políticas públicas necessárias a esta realidade.
Como nos relembra Paulo Freire, não se transforma o mundo somente com educação, mas também não se faz sem ela. No contato com a literatura, identifica-se que os pesquisadores expuseram que os sujeitos sociais do campo almejam uma escola, não só para ler, escrever e contar, mas para se profissionalizar a partir de uma formação que não renegue uma cultura para sobrepor outra, e ele possam seguir uma carreira tendo o direito de escolher onde será seu espaço de trabalho, se o campo ou cidade. Antes, porém, precisam de oportunidades de educação com qualidade, com currículo que problematize e não negligencie a realidade e o trabalho. "Urbanizou-se" a educação no campo, mas não com mesmas oportunidades. A estes, ofereceram alfabetização de adultos com intenções instrucionais e, infelizmente ainda nos nossos dias, não se combateu o analfabetismo. Em muitas comunidades rurais foi-lhes ofertado a educação infantil e o ensino de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, em escolas multisseriadas com precariedade física e pedagógica, entre outras, como é o caso de vários municípios na Amazônia Paraense.
É evidente que, somente a educação, não resolverá os problemas sociais que vivem as famílias do campo. Serão necessárias outras políticas nas áreas do campo brasileiro e na Amazônia, para que as populações que optaram em residir e trabalhar no campo vivam com mais dignidade. Mas para isso acontecer, é relevante pleitear propostas de políticas públicas consistes e condizentes com as diversas realidades rurais do Brasil, para construção de uma escola do campo de qualidade, com estrutura física, e pedagógica adequada, professores melhor renomeados e com formação própria para atuar com essa realidade.
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Autor:
Maria do Socorro Dias Pinheiro